Natureza e sensualidade, uma conversa com Javier López

De um mergulho nas águas geladas da Patagônia chilena, um metafórico grito primal ecoa nos vales da região há mais de 16 anos. Ele rompe um longo período de silêncio como um forte chamado, um convite ao resgate do elo essencial entre o homem e a natureza. Uma tentativa de cura do desconforto e da falta de intimidade com sua ancestralidade.

Segundo Javier López, caiaquista, engenheiro e um dos idealizadores do primeiro ecolodge sustentável de Torres del Paine, o premiado EcoCamp Patagônia, o homem contemporâneo perdeu o contato básico com os elementos da natureza. Com isso, perdeu também o que chama de sensualidade, assim como os instintos primordiais que faziam o homem sentir o cheiro das coisas, por exemplo.

 

Javier López, cofundador do EcoCamp Patagonia

Javier López, cofundador do EcoCamp Patagonia

 

“Quando você está na água com o corpo todo, definitivamente você está dentro da experiência. Entendi, naquele mergulho, que relevante mesmo é o que acontece com você quando está em contato com a natureza. É algo que temos que sentir. Nós somos isso, somos orgânicos e precisamos dessa biologia”, nos contou Javier.

Foi a partir desse insight, durante uma prática de canoagem, que o projeto EcoCamp tomou forma e vida. Com seus sócios, o engenheiro Yerco Ivelic e a ambientalista Nani Astorga, Javier encontrou um conceito de baixo impacto ambiental inspirado nas habitações dos índios nômades Kawésqar.

Também conhecidos como Alacalufes, eles chegaram à região das torres por volta do século XV e com madeira construíram leves estruturas semicirculares, pequenos domos geodésicos, que não deixavam rastros quando precisavam ser desmontados. Para mantê-los aquecidos, os índios forravam a estrutura com peles e acendiam fogueiras em seu interior.

“O círculo é uma forma que nos leva ao passado, à origem, aos rituais. Holisticamente, é o formato da terra, dos corpos celestes, é uma forma que nos conecta ao universo.” Como um tributo a essa herança milenar, num território quase intocado e que merece ser visitado e protegido, o EcoCamp foi pensado para facilitar a conexão do homem com as paisagens patagônicas e toda a expressividade de sua natureza selvagem.

“O que realmente importa aqui é essa imensidão, viver essencialmente o lugar, por isso fomos aprender com os homens que viviam aqui”, completou Javier. De fato, embora protegidos, eles não estavam fora do contexto. Estavam em consonância com as manifestações climáticas, com os ventos fortes e as temperaturas baixas, sendo naturalmente parte do todo.

Quem vem de longe para sentir a Patagônia, para sair do cenário urbano, é ideal que se submeta a um deslocamento da noção sobre o que é conforto. A perspectiva de conforto num lugar como esse deve ser diferente. Isso faz com que tanto a cidade quanto a vida habitual fiquem para trás.

Em primeiro plano, é mais interessante sentir a presença dos ventos e perceber a sua potência mesmo de dentro dos domos. Ver que a lua ainda está no céu ao amanhecer ou, à noite, escolher que as estrelas estampem uma parte transparente do quarto semicircular. Para Javier, a habitação conversa com o que está acontecendo fora e essa é uma chance de aproveitar a Patagônia de uma forma mais natural.

Também fazem parte dessa proposta as condições mínimas para que, depois de um dia intenso, os domos estejam aquecidos e protegidos da chuva, tenham água quente e acolham para um descanso profundo e revigorante. É isso que vai garantir um retorno saudável para a vida outdoor e a reconexão com a terra que Javier faz questão de não deixar para trás. Talvez agora dê para entender por que ele usa a palavra sensualidade, que até pode parecer exagero apaixonado de um idealista, mas certamente faz todo o sentido quando nos remete à ideia de um homem mais envolvido com a força brutal da natureza.

 

Texto Lila Guimarães  |  Fotos Victor Affaro  |  Produção The Upper Air

 

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