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Por três dias no Vale do Pati


terramundi - 8 de janeiro de 2022 - 0 comments

Relato de viagem de Bárbara Paro Giovani, redatora Terramundi

O sol que eu havia tanto pedido nos últimos três dias estava ali, mais forte que nunca. E conforme eu caminhava sobre pedras soltas no trecho mais desafiador daquele período, a mata fechada ia se transformando em rasteira, dando espaço para ver o céu aberto e, ao longe, a cidade de Andaraí. Era o final da travessia do Vale do Pati, depois de três dias de caminhadas e, apesar do corpo cansado, eu era o mais viva que já me senti.

A travessia do Vale do Pati é considerada um dos mais bonitos trekkings no mundo todo. As paisagens são realmente surpreendentes, mas são apenas parte das belezas que o lugar apresenta. O contato com os nativos que ali vivem e a possibilidade de estar em silêncio, seguindo o ritmo da natureza e presente no aqui e agora marcam tanto quanto os cenários. 

 

Mirante do Vale do Pati, onde dá para avistar um vale coberto de vegetação rodeado por uma cadeia de montanhas. Céu nublado.

Mirante do Pati

Para conhecer o Vale do Pati

Localizado entre diversas montanhas, como o morro Branco, o morro do Castelo e o morro de Sobradinho, o Vale do Pati está dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina, que é uma área protegida pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio). Por ali, não há sinal de celular e os acessos permitem apenas o trânsito de pedestres e animais como mulas e cavalos.

Os rastros de sua história estão presentes em várias partes do trajeto. Inicialmente, a região era explorada por garimpeiros na busca de extração de diamantes. Depois, a cultura de plantio de café dominou a região e se tornou a principal atividade econômica dos moradores. Nesse período, cerca de 3 mil famílias viviam por ali. Hoje, a cultura cafeeira já não faz mais parte da rotina e pouco mais de 10 famílias ainda vivem no Pati.

São elas que recebem os visitantes que entram no vale para seguir trekking. Abrem suas casas e oferecem acomodação e alimentação durante os dias de caminhada, sempre de uma maneira aconchegante e carinhosa. O turismo é, hoje, a principal fonte de renda dos moradores dali. 

 

Os trajetos

É possível acessar o Vale do Pati a partir de dois distritos e uma cidade da Chapada Diamantina: Guiné (distrito de Mucugê), Andaraí e Vale do Capão (distrito de Palmeiras). São essas as entradas e saídas do vale – e fazer a escolha de por onde entrar e sair já direciona também parte do seu trajeto no trekking.

Há quem passe apenas uma noite no Vale do Pati, há quem faça o roteiro em três dias e há também aqueles que ficam cinco dias ou mais. Tudo depende da disponibilidade do viajante e de seu preparo físico. Em média, são percorridos de 15 a 20 quilômetros por dia entre trechos planos, leitos de rio e pedras, em altitudes que variam de 1000 a 1500 metros. 

Dentro do vale, as trilhas que antes eram utilizadas para escoar o café são aquelas que os visitantes vão percorrer. São quilômetros e quilômetros de subida e descida, que levam a atrativos como o Cachoeirão, o Mirante do Pati, a cachoeira dos Funis, o Poço da Árvore, a subida do Castelo, os Campos Gerais, entre outros. 

Meu trajeto começou em Guiné e acabou na cidade de Andaraí. Foi realmente uma travessia do vale, realizada em 3 dias.

 

Cachoeira dos Funis, no Vale do Pati. À frente, o rio formado pela queda dágua. Atrás, a cachoeira cai do lado esquerdo para o direito, sobre rochas.

Cachoeira dos Funis

A importância dos guias

Apesar de algumas trilhas na Chapada Diamantina serem mais simples e possíveis até para aqueles com menos experiência irem sozinhos, os trajetos do Vale do Pati demandam mais atenção. Além do esforço físico necessário, o acompanhamento com guia faz toda a diferença.

Isso porque o Pati é muito grande, não possui sinal de celular e as trilhas não são sempre bem sinalizadas. Os guias sabem todas de cabeça – já percorreram o lugar inteiro inúmeras vezes – e também sabem como fazer o percurso de maneira a não prejudicar a natureza do local. 

Podem indicar os melhores momentos de pausa, onde buscar água e também ajudar em eventuais problemas. Além de também serem ótimas fontes de informação sobre o vale, com detalhes sobre as plantas, o trajeto, os moradores e toda a história e cultura do local. 

Há uma associação de guias oficiais de Lençóis, cidade base da Chapada Diamantina, onde você pode buscar alguém para te acompanhar no trekking.

 

A travessia de Guiné a Andaraí

Quando cheguei aos pés da subida do Aleixo, pronta para entrar no vale, não fazia ideia do que me esperava. Íngreme, esse primeiro trecho do trajeto acordou meus sentidos para o que seriam os próximos dias. Depois de quase uma hora de subida, de lá de cima, aliviada, pude ver Guiné se tornar pontinhos à distância.

Foi com céu nublado que chegamos aos campos gerais, uma passagem mais tranquila, em terreno plano e aberto, com direito a um mergulho no Rio Preto. Ainda estava no meu ritmo cotidiano, agitada, e conversava com meus amigos e com o guia normalmente, tentando decifrar a quilometragem e as paisagens dos próximos dias. 

Mas a chegada ao Mirante do Pati me fez parar. Ali entendi onde estava e o que faria por mais três dias, porque pude visualizar o vale por completo – e era uma das coisas mais lindas que já vi. 

Dali em diante, segui em silêncio até a Igrejinha, cruzando com outros viajantes, em uma descida de pedras e um trecho mais plano em mata um pouco fechada. A chuva começou a cair sem parar e mudou nossos planos do resto do dia: seguimos direto para a casa da Raquel, onde nos hospedaríamos pela noite, e deixamos a cachoeira dos Funis para o dia seguinte mais cedo. 

No final do dia, já percebi que entrava em outro ritmo. Da porta do quarto em que fiquei era possível ver os morros que cercam o vale. O jardim da dona da casa alegra toda a volta do lugar em que estávamos, a comida farta e muito saborosa esquentou a barriga no jantar. E a noite por lá se encerrou cedo – e cedo também começou o dia seguinte.

 

Montanha se ergue no Vale do Pati. O sol reflete sobre a formação rochosa, enquanto o céu está um pouco nublado e abaixo há vegetação verde.

 

No segundo dia partimos para a cachoeira que havia sido adiada no dia anterior. O mergulho na água gelada e o tempo de descanso da caminhada preencheram parte da manhã, até que retomássemos a caminhada dentro da mata fechada, surpreendidos pela chuva. Não havia muito o que fazer: estávamos no meio do trajeto, para um lado ou para o outro. Seguimos então, num pequeno alívio pela água que caia e refrescava o calor abafado da mata.

O Poço da Árvore foi outra surpresa: fomos recebidos com sol esquentando as pedras, que contrastavam com a água ainda bem gelada. Alguns mergulhos a mais, o corpo estendido no sol e tudo parecia se renovar. 

Apesar de seguirmos no silêncio, absorvendo o contato com o vale e entendendo os limites do nosso físico, não pudemos conter a animação ao chegar na casa de Jóia ao entardecer, podendo ver o colorido do pôr do sol. Mais tarde, naquela noite, também foi possível observar as estrelas, abundantes no céu escuro e distante das luzes da cidade.

O terceiro e último dia amanheceu diferente: o sol estava a toda. Nos despedimos do Pati com a subida intensa do Império, num caminho íngreme que levou cerca de duas horas. O trajeto seguiu pelas pedras soltas e a céu aberto por mais quatro horas até que chegássemos a Andaraí.  De corpo cansado e mente renovada, o primeiro pensamento que tive ao final do trekking foi: “Quando volto?”

 

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